O governo federal deve anunciar em breve a regulamentação das apostas esportivas no Brasil.
A Casa Civil confirmou à BBC News Brasil que as propostas estão à espera de uma decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
As apostas esportivas devem ser regulamentadas por meio de uma medida provisória e um projeto de lei, que serão enviados ao Congresso.
O tema é alvo de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) que investiga denúncias de manipulação de partidas de futebol para favorecer apostadores.
A regulamentação tem sido defendida por membros da CPI como um instrumento importante para coibir fraudes.
As novas regras devem estabelecer como serão tributadas as receitas das empresas e as premiações pagas aos apostadores, além de estabelecer como será feita a permissão para empresas de apostas operem no país.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o governo estima arrecadar R$ 2 bilhões em 2024 com taxação de apostas esportivas.
Parte dos valores arrecadados devem ser destinados a investimentos em educação e segurança pública, para o custeio da seguridade social e do Ministério do Esporte, além de pagamentos aos clubes pela cessão de marcas aos sites de apostas.
Além da tributação, as novas regras devem estabelecer as sanções para as empresas que não cumprirem os critérios de funcionamento das plataformas.
As apostas esportivas foram autorizadas no Brasil por uma lei aprovada em 2018.
As normas para esse tipo de atividade deveriam ser criadas por meio de novas leis, mas isso não foi feito até agora.
A falta de regulamentação criou um limbo legal que levou empresas do setor que atuam no Brasil a operarem a partir de outros países, especialmente do Caribe e Mediterrâneo.
A proliferação e popularização dos sites de apostas nos últimos anos criou desafios para governos de várias partes do mundo.
Tradicionalmente, as apostas esportivas eram feitas de maneira presencial. A internet fez esse mercado crescer muito porque agora é possível apostar em uma variedade muito maior de campeonatos e esportes.
Heather Wardle, professora da Universidade de Glasgow, na Escócia, e especialista em apostas esportivas, diz que “o jogo online oferece acesso contínuo a produtos de uma forma que não era possível há 20 anos”.
“O jogo online também muda fundamentalmente a natureza da indústria, já que são grandes empresas de tecnologia fazendo uso de todas as percepções e informações que possuem sobre as pessoas, e são capazes de ter um relacionamento muito direto com seus consumidores por meio de seus dispositivos e pegadas digitais”, aponta a especialista.
“Eles usam todas essas informações para direcionar as pessoas para que continuem a jogar.”
Esse boom das apostas esportivas levou outros países do mundo a regular esse tipo de atividade.
Entenda a seguir como funcionam estas regras atualmente nos Estados Unidos e em países da Europa e da América Latina.
América Latina
A indústria de apostas apelidou a América Latina de “gigante adormecido” por ter um grande potencial que consideram inexplorado e pelo grande número de fãs de esportes, diz Wardle.
Entre os países da região, há grande disparidade nos estágios de regulamentação do setor.
Em geral, os países que têm regras cobram taxas para que as operadoras se regularizem e exigem que elas tenham sede nos seus respectivos territórios.
A Colômbia foi pioneira ainda em 2015 ao estabelecer regras para o funcionamento e a tributação dos sites de apostas esportivas e criar um órgão, o Coljuegos, para supervisionar essa atividade.
Não há limite para o número de plataformas que podem operar, e as licenças valem por três anos, prorrogáveis por mais cinco.
Além dos tributos cobrados de empresas, os lucros dos apostadores a partir de um determinado valor também são taxados em 20%.
Grande parte do que é arrecadado tem como destino o sistema de saúde do país. Tanto que a Coljuegos usa o slogan “aposte pela saúde”.
No total, em 2022, foram arrecadados cerca de US$ 236 milhões (R$ 1,132 bi) com jogos de azar no país, dos quais US$ 151 milhões (R$ 724 milhões) tiveram como destino a saúde.
Entre 2018 e 2022, o tamanho do setor quase sextuplicou na Colômbia, onde atualmente existem mais de 8 milhões de contas ativas nos sites de apostas.
“Isso tem gerado desafios tecnológicos e desafios associados à proteção”, disse a Coljuegos à BBC News Brasil por meio de nota.
“O rápido crescimento levou a milhões de transações por dia, o que gera grandes volumes de informações para transformar e analisar”.
A Coljuegos avalia que enfrenta um “flagelo” do jogo ilegal e realiza constantes esforços para controlá-lo.
O órgão afirma que conseguiu bloquear mais de 10.749 sites que oferecem jogos de azar na internet e 121 perfis de redes sociais nas quais este tipo de plataforma não autorizada eram promovidas.
Na Argentina, cada Província é responsável por estabelecer suas próprias regras, e os apostadores só podem acessar um determinado site se estiverem localizados na região onde a plataforma tem autorização para operar.
Na Província de Buenos Aires, foram outorgadas apenas sete licenças, com validade de 15 anos. Uma parte do que é arrecadado vai para a educação.
Já no Chile, a falta de regulamentação é alvo de preocupação de governantes, assim como no Brasil.
As propostas visam atualmente dedicar parte do que for arrecadado para medidas de incentivo ao esporte chileno.
O economista chileno Maurício Holz fez um estudo comparando as estratégias de Colômbia, Espanha e da Província de Buenos Aires.
Holz explica que mecanismos como o número de licenças concedidas, sua duração e a frequência com que são concedidas funcionam como uma barreira de entrada para este mercado.
Isso permite, segundo o especialista, ter um maior controle sobre as empresas.
“Os requisitos visam a garantir a capacidade da empresa de cumprir suas obrigações tanto com o órgão regulador quanto com seus clientes”, afirma.
Holz defende que mecanismos de controle e sanções às empresas que violem as regras são fundamentais para as regulamentações.
Wardle concorda e avalia que, “onde a permissão do jogo é acompanhada por regulamentação e fiscalização inadequadas, há um perigo real para a saúde da população nesses países”, avalia Wardle.
A Coljuegos afirma que vem colaborando com o governo do Peru para que o país implemente um sistema semelhante ao colombiano e que recebe com frequência contatos de outros países na região que querem regulamentar o setor.
Estados Unidos
Nos Estados Unidos, em 2018, uma decisão da Suprema Corte do país anulou uma lei federal de 1992 que vetava apostas esportivas na maioria dos Estados, abrindo caminho para a legalização da atividade, mas excluindo as competições universitárias do rol de apostas possíveis.
A regulamentação das apostas esportivas cabe a cada Estado no país, assim como em outros temas, como aborto e criminalização das drogas.
Atualmente, 34 dos 50 Estados americanos têm algum tipo de permissão para a atividade.
O Estado de Nevada, onde fica a cidade de Las Vegas, capital americana dos jogos de azar, foi um dos primeiros a regular as apostas esportivas.
Enquanto isso, governos como os de Delaware e Dakota do Sul permitem as apostas, mas apenas se forem feitas de forma presencial.
Em novembro passado, os californianos foram às urnas para votar sobre a legalização das apostas esportivas no Estado. A proposta foi rejeitada.
Europa
Com uma cultura consolidada há décadas neste tipo de atividade e algumas das principais empresas do setor, a Europa conta há anos com uma série de regulamentações na área.
Desde 2005, o Reino Unido conta com uma legislação para o tema, que estabelece, por exemplo, quais autoridades podem outorgar licenças às plataformas e as taxas anuais que cada uma deve pagar para operar.
Na Espanha, um decreto estabeleceu as diretrizes para as apostas em 2011, e é aplicada uma taxação de 20% às receitas das plataformas.
Para outorgar as licenças, é necessário que haja ao menos um representante permanente no território espanhol.
As permissões têm prazo de dez anos, que podem ser prorrogados por igual período.
A Itália é um dos países na região onde o tema é mais sensível, já que os campeonatos locais de futebol foram duramente atingidos por manipulações envolvendo apostas esportivas em algumas oportunidades, como no Brasil.
A legislação local passou por algumas modificações desde 2007. A maioria buscou reforçar a presença de empresas italianas no ramo e, mais recentemente, a taxação das receitas das empresas aumentou, e foram impostos limites para os valores pagos aos apostadores.
São discutidas alterações semelhantes no Reino Unido para atualizar as regras do setor.
Os projetos, em tramitação no Parlamento, ainda incluem uma taxa que seria cobrada das empresas para pagar o tratamento de vícios e medidas de prevenção, com foco especialmente em jovens de 18 a 24 anos que, segundo as evidências, correm maior risco de danos.
A preocupação com o vício é constante no país. O tema levou as equipes da elite do futebol local a concordarem em não exibir mais patrocínios de casas de apostas em suas camisas, algo que também foi adotado na Espanha.
Para Wardle, é preciso haver uma postura muito mais rígida para a publicidade, o marketing e o patrocínio de jogos de azar.
“É improvável que regras adotadas voluntariamente sejam eficazes. A história mostra que elas são frequentemente contornadas com poucas repercussões”, avalia.
Recentemente, um país que avançou no tema foi a França, onde o Parlamento proibiu a participação de influenciadores e atletas nas propagandas de casas de apostas.
“É muito importante olhar para coisas como esta e para as formas como as empresas de jogos de azar e suas afiliadas estão usando uma ampla gama de mídias sociais para vender seus produtos”, afirma Wardle.
“Muito disso ocorre de forma realmente pouco transparente, e (estas redes sociais) podem ser acessadas por crianças e jovens, o que é eticamente questionável.”